2010-01-02

Doce Espera

Quero começar por desejar um excelente 2010 a todos os que passam por aqui. Espero que continuem a passar por cá, mesmo caladinhos, se peferirem. Começo o primeiro post de 2010 onde deixei o último de 2009: Maria Bethânia. Enjoy it!



A vida é dura
Quando se espera alguém
A vida é fria
Quando esse alguém não vem

Oh! dura vida
Espera fria...

Só te queria um tempo
Um tempo até gastar
Toda tesão da vida
Depois podia até parar

Tesão da vida
Doce espera...

2009-12-29

Cassete



É por isto que eu gosto de estar em casa, sozinha, comigo mesma. Porque, com algum tempo, começo a lembrar-me de recuperar coisas que me acabam por me trazer imenso prazer. Mas preciso desse tempo para ter a cabeça descansada, que no meio da correria dos dias cheios, nunca tenho. Hoje lembrei-me de um conjunto de cassetes que sempre andou cá por casa. Sempre, diga-se de passagem, desde que me lembro de existir. Eram bastantes e quando ainda não havia leitores de cds nos carros eram estas mesmas cassetes que rodavam no carro. Repetidas até à exaustão, umas mais do que outras. São elas as grandes responsáveis pelo meu grande fascínio pelo Chico Buarque, porque logo pequena já cantava as suas músicas, muitas vezes ouvidas nas vozes da Bethânia, Nara Leão e outras. Hoje lembrei-me delas porque supus que nelas fosse encontrar músicas que não ouvia há muito e que não encontraria nos cds que mais tarde as substituiram cá por casa. E supus bem. As cassetes, esquecidas numa qualquer caixa, estavam como eu sempre me lembrara delas. Gravadas, piratas, e cada uma cuidadosamente escrita com a letra do pai. E agora, a Ella Fitzgerald canta Birds do it, bees do it / Even educated fleas do it / Let's do it, let's fall in love e acho que a seguir vai entrar a Bethânia. Assim até se estuda melhor.

2009-12-28

Tu Não Tens De Mudar

Vídeo realizado por Mário Carvalhal. A perfeição em forma de videoclip: Manel Cruz, ballet e o Porto.



Se tens de ouvir tens de o fazer
e o mundo diz tu tens de mudar
só não lavou as tuas mãos
mas tens as mãos do mundo para lavar
afasta-te um pouco mais
e dorme em paz que tu não tens
de dar o teu sorriso assim
esgotando o teu juízo assim
tu não tens de mudar
quem te quer mudar
não te quer conhecer
tu não tens de o fazer
eu não tenho nada meu
pois tudo o que era bom
foi na corrente do ter
e agora dei-me um dia
para ser feliz
para ver que eu nunca vou ter
o mundo na minha mão
não tenhas pena de mim agora
meus dias já não são de ouro
dantes sim, existia um problema
agora todos nós somos actores de cinema
e escondemo-nos bem
dos olhos que o mundo tem
e toda a gente nos vê
só não nos ouve ninguém
tu não tens de ver
tu não tens sequer de amar
tu só vais achar que vês
quando ao sabor da tua lei
o amor fizer de ti seu rei
para sempre

Manel Cruz

Noticia de Jornal



Tentou contra a existência
Num humilde barracão.
Joana de tal, por causa de um tal João.
Depois de medicada,
Retirou-se pro seu lar.
Aí a notícia carece de exactidão,
O lar não mais existe
Ninguém volta ao que acabou
Joana é mais uma mulata triste que errou.
Errou na dose
Errou no amor
Joana errou de João
Ninguém notou
Ninguém morou na dor que era o seu mal
A dor da gente não sai no jornal.

Chico Buarque

O Guardador de Rebanhos

http://www.oficinadaterra.com/uploads/A1041_menino%20jesus%204.jpg
Escultura da Oficina da Terra



VIII
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas...
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
(...)
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


Alberto Caeiro


Poema completo aqui

2009-12-27

Rua da Saudade

É o nome de um projecto de homenagem a José Carlos Ary dos Santos que conta com as vozes de Mafalda Arnauth, Viviane, Susana Félix e Luanda Cozetti e com a participação de vários músicos como João Cabrita e Nuno Espírito Santo, entre outros. Lançaram um disco com o mesmo nome do projecto que me surpreendeu bastante e que, na minha opinião, vale bastante a pena. Agora espero que se façam à estrada para que os possa ver ao vivo.
O disco tem músicas que eu já conhecia e que me são muito queridas como a Estrela da Tarde ou a Cavalo à Solta. Mas esta música, este poema e esta interpretação da Susana Félix assaltou-me assim que a ouvi pela primeira vez. Aqui fica, Canção de Madrugar de Ary dos Santos.



De linho te vesti
De nardos te enfeitei
Amor que nunca vi
Mas sei

Sei dos teus olhos acesos na noite
Sinais de bem despertar
Sei dos teus braços abertos a todos
Que morrem devagar
Sei meu amor inventado que um dia
Teu corpo pode acender
Uma fogueira de sol e de fúria
Que nos verá nascer

Irei beber em ti
O vinho que pisei
O fel do que sofri e dei
Dei do meu corpo um chicote de força
Rasei meus olhos com água
Dei do meu sangue uma espada de raiva
E uma lança de mágoa
Dei do meu sonho uma corda de insónias
Cravei meus braços com setas
Descobri rosas, alarguei cidades
E construí poetas

E nunca te encontrei
Na estrada do que fiz
Amor que não logrei
Mas quis

Sei meu amor inventado que um dia
Teu corpo há-de acender
Uma fogueira de sol e de fúria
Que nos verá nascer
Então:

Nem choros, nem medos, nem uivos, nem gritos,
Nem pedras, nem facas, nem fomes, nem secas,
Nem feras, nem ferros, nem farpas, nem farsas,
Nem forcas, nem cardos, nem dardos, nem terras,
Nem choros, nem medos, nem uivos, nem gritos,
Nem pedras, nem facas, nem fomes, nem secas,
Nem feras, nem ferros, nem farpas, nem farsas
Nem mal

Letra: José Carlos Ary dos Santos
Música: Nuno Nazareth Fernandes

Deolinda - Não Sei Falar de Amor



Oh vizinho, ora bom dia
como vai a saúdinha?
Eu não sei falar de amor

Oh vizinho e este tempo?
  A chuva dá pouco alento
 E eu não sei falar de amor

Oh vizinho e o carteiro
que se engana no correio?
  E eu não sei falar de amor

E soubesse eu artifícios
de falar sem o dizer
não ia ser tão difícil
revelar-te o meu querer

A timidez ata-me a pedras
e afunda-me no rio
quanto mais o amor medra
mais se afoga o desvario

E retrai-se o atrevimento
a pequenas bolhas de ar
E o querer deste meu corpo
vai sempre parar ao mar

Oh vizinho e a novela?
Será que ele ficou com ela?
  E eu não sei falar de amor

Oh vizinho e o respeito?
Não se leva nada a peito
E eu não sei falar de amor


Oh vizinho então adeus
Vou cuidar de sonhos meus
Que eu não sei falar de amor

Arctic Monkeys - Old Yellow Bricks


Rota de colisãO

Lá, entre o Sol e o Si